quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Uma excursão suburbana.

Depois de quase cinco anos em Lisboa tive o privilégio de me deslocar a zonas suburbanas da cidade de Lisboa: Queluz e Amadora. Sem imaginar o que me esperava lá segui de carro com um colega. Após alguns quilómetros daquele amontoar de fealdade suburbana de cimento mal colorido e alguns resquícios do original aqueduto das águas livres cheguei ao primeiro destino: Queluz.
Ao sair do carro percebi que tudo que me rodeava era bastante diferente de Lisboa, era tudo menos polido, tinha o toque do desenrasque em cada esquina e em cada pormenor do alcatrão. Desci uma rua em que senti o meu calvário, mas invertido. Muitos locais que me acompanhavam na mesma descida, como se fossemos todos para o mesmo sítio, imaginei que pudesse haver um mercado lá no fundo, mas não havia, era a estação de comboio. Na Rua Miguel Bombarda onde tinha uma obrigação a cumprir, muito movimento, mas com uma atmosfera reinante que me transportava para um tempo de que eu não faço parte, o comércio era todo antigo, com vigor mas parado numa outra era, senti um ligeiro desconforto mas também curiosidade, gostava de ficar ali em lazer, a ver o movimento e a instruir-me com as ricas histórias que se contam nos típicos cafés.
A Rua Miguel Bombarda é uma rua dual em estética, de um lado da rua prédios dos anos 50-60, bonitos, regulares, coloridos e decadentes, uma bela decadência, do outro lado prédios dos anos 80, escuros, com marquises e sem marquises, irregulares e feios.
Levei um primeiro banho de realidade Portuguesa, cerca de 3,5 milhões de Portugueses vivem em zonas suburbanas, e se as cidades fossem assim eu queria com toda a certeza viver no campo. O campo tem história, as Aventuras do Dom Quixote foram todas passadas no campo e não em Queluz, é para mim quanto baste. Percebi que dificilmente conseguia viver num local sem conhecer a sua história e muito menos viver num local que não conhece a sua história porque não a tem. A história e a cultura educam, mas nestes aglomerados suburbanos onde a maioria das pessoas só dorme a história está por escrever e a cultura não sai à rua com calma, ou se sai move-se da periferia suburbana para o centro e refletindo-se no centro como parte deste.
Deixei Queluz e foi para a Amadora, Centro Comercial Babilónia, um ex-libris dos anos 80-90 que me passou ao lado muito tempo. Os ramos de negócios deste centro comercial são o cabelo para madeixas e os telemóveis, dominado maioritariamente por Paquistaneses. Ao entrar no Babilónia, e sem nunca ali ter estado antes, o local pareceu-me familiar, ao reavivar a minha memória percebi que era parecido a um local de um sonho de infância, era igual a uma estação de comboio que já tinha visto no tal sonho. Dirigi-me ao elevador que me levaria ao quarto andar, onde me ia encontrar com um Sr. Contabilista. Toquei à campainha e fui recebido por uma rapariga de não mais de 25 anos, contabilista estagiária, negra, bonita e com corpo de top-model, sou convidado a entrar e a esperar uma vez que o Sr. M. não estava mas iria chegar em breve. Entro e apresenta-se uma outra rapariga sensivelmente da mesma idade, também bonita, negra e também possível top-model, por fim uma senhora Brasileira talvez com 50 anos. Sentado a um canto um indivíduo Indiano ou Paquistanês que tresandava a chamuças, obstinado numa tarefa legalmente duvidosa com toda a serenidade e confiança.
O escritório era uma desordenada imundice escura, só um alienado ou um desgraçado descapitalizado poderia ter um negócio em tal local, era absurdo, a credibilidade de tal escritório arruinava qualquer possibilidade de negócio sério e lucrativo. Aquele cenário levou-me a pensar fácil, cair em preconceitos e a imaginar uma espécie de contabilista do tipo proxeneta. Era-me difícil de imaginar como aquelas duas jovens contabilistas se mantinham ali a trabalhar sem haver algo que as forçasse a tal desgraça. O cenário mais que burlesco podia facilmente ser transformado na imagem do bordel disfarçado de gabinete de contabilidade.
Estes pensamentos ocorreram até ao Sr. M. chegar e destruir parte das minhas conjeturas. O Sr. M. era albino, falava um Português excelente e com elegância. Já a vestir era um exótico, tal como tudo o resto, a indumentária do Sr. M. era inesperada e incomum, e para o que socialmente se espera e até se exige era completamente inadequada para o seu negócio, ou até para qualquer negócio, a mesma acentuava-lhe o ar de desajustado e pederasta.
Este dia mostrou-me um limiar do mundo suburbano, e colocou-me perante situações inesperadas porque não sei o que é o suburbano, conheço o campo, as pessoas do campo, e os seus comportamentos, conheço a cidade, as pessoas da cidade e os seus comportamentos mas não conheço nem consigo enquadrar a vida suburbana. É para mim como visitar um país exótico. Na viagem de regresso a Lisboa a minha curiosidade cresceu, com a ideia de voltar para observar.