Depois de quase cinco anos em
Lisboa tive o privilégio de me deslocar a zonas suburbanas da cidade de Lisboa:
Queluz e Amadora. Sem imaginar o que me esperava lá segui de carro com um
colega. Após alguns quilómetros daquele amontoar de fealdade suburbana de
cimento mal colorido e alguns resquícios do original aqueduto das águas livres
cheguei ao primeiro destino: Queluz.
Ao sair do carro percebi que tudo
que me rodeava era bastante diferente de Lisboa, era tudo menos polido, tinha o
toque do desenrasque em cada esquina e em cada pormenor do alcatrão. Desci uma
rua em que senti o meu calvário, mas invertido. Muitos locais que me acompanhavam
na mesma descida, como se fossemos todos para o mesmo sítio, imaginei que
pudesse haver um mercado lá no fundo, mas não havia, era a estação de comboio.
Na Rua Miguel Bombarda onde tinha uma obrigação a cumprir, muito movimento, mas
com uma atmosfera reinante que me transportava para um tempo de que eu não faço
parte, o comércio era todo antigo, com vigor mas parado numa outra era, senti um
ligeiro desconforto mas também curiosidade, gostava de ficar ali em lazer, a
ver o movimento e a instruir-me com as ricas histórias que se contam nos típicos
cafés.
A Rua Miguel Bombarda é uma rua
dual em estética, de um lado da rua prédios dos anos 50-60, bonitos, regulares,
coloridos e decadentes, uma bela decadência, do outro lado prédios dos anos 80,
escuros, com marquises e sem marquises, irregulares e feios.
Levei um primeiro banho de
realidade Portuguesa, cerca de 3,5 milhões de Portugueses vivem em zonas
suburbanas, e se as cidades fossem assim eu queria com toda a certeza viver no
campo. O campo tem história, as Aventuras do Dom Quixote foram todas passadas no
campo e não em Queluz, é para mim quanto baste. Percebi que dificilmente
conseguia viver num local sem conhecer a sua história e muito menos viver num
local que não conhece a sua história porque não a tem. A história e a cultura educam,
mas nestes aglomerados suburbanos onde a maioria das pessoas só dorme a
história está por escrever e a cultura não sai à rua com calma, ou se sai
move-se da periferia suburbana para o centro e refletindo-se no centro como
parte deste.
Deixei Queluz e foi para a
Amadora, Centro Comercial Babilónia, um ex-libris dos anos 80-90 que me passou
ao lado muito tempo. Os ramos de negócios deste centro comercial são o cabelo para
madeixas e os telemóveis, dominado maioritariamente por Paquistaneses.
Ao entrar no Babilónia, e sem nunca ali ter estado antes, o local pareceu-me familiar,
ao reavivar a minha memória percebi que era parecido a um local de um sonho de
infância, era igual a uma estação de comboio que já tinha visto no tal sonho. Dirigi-me
ao elevador que me levaria ao quarto andar, onde me ia encontrar com um Sr. Contabilista.
Toquei à campainha e fui recebido por uma rapariga de não mais de 25 anos,
contabilista estagiária, negra, bonita e com corpo de top-model, sou convidado
a entrar e a esperar uma vez que o Sr. M. não estava mas iria chegar em breve.
Entro e apresenta-se uma outra rapariga sensivelmente da mesma idade, também
bonita, negra e também possível top-model, por fim uma senhora
Brasileira talvez com 50 anos. Sentado a um canto um indivíduo Indiano ou
Paquistanês que tresandava a chamuças, obstinado numa tarefa legalmente duvidosa
com toda a serenidade e confiança.
O escritório era uma desordenada imundice
escura, só um alienado ou um desgraçado descapitalizado poderia ter um
negócio em tal local, era absurdo, a credibilidade de tal escritório arruinava
qualquer possibilidade de negócio sério e lucrativo. Aquele cenário levou-me a
pensar fácil, cair em preconceitos e a imaginar uma espécie de contabilista do
tipo proxeneta. Era-me difícil de imaginar como aquelas duas jovens
contabilistas se mantinham ali a trabalhar sem haver algo que as forçasse a tal
desgraça. O cenário mais que burlesco podia facilmente ser transformado na
imagem do bordel disfarçado de gabinete de contabilidade.
Estes pensamentos ocorreram até
ao Sr. M. chegar e destruir parte das minhas conjeturas. O Sr. M. era albino,
falava um Português excelente e com elegância. Já a vestir era um exótico, tal
como tudo o resto, a indumentária do Sr. M. era inesperada e incomum, e para o
que socialmente se espera e até se exige era completamente inadequada para o seu negócio, ou até
para qualquer negócio, a mesma acentuava-lhe o ar de desajustado e pederasta.
Este dia mostrou-me um limiar do
mundo suburbano, e colocou-me perante situações inesperadas porque não sei o
que é o suburbano, conheço o campo, as pessoas do campo, e os seus comportamentos,
conheço a cidade, as pessoas da cidade e os seus comportamentos mas não conheço
nem consigo enquadrar a vida suburbana. É para mim como visitar um país exótico.
Na viagem de regresso a Lisboa a minha curiosidade cresceu, com a ideia de
voltar para observar.