terça-feira, 29 de julho de 2014

Crónica

O futebol: a coisa mais importante das coisas sem importância

As primeiras imagens televisivas de futebol que estão na minha memória, e penso que são memórias reais e não reconstruídas a partir de imagens posteriores, são as dos festejos do FCP da Taça dos Campeões Europeus, depois das duas finais europeias consecutivas perdidas pelo Benfica para o PSV e Milan e ainda do campeonato do mundo de 1990. Das três ocorrências, lembro-me especialmente do Artur Jorge a falar após a vitória do FCP, da marcação dos penaltis no Benfica-PSV, dos cabelos estranhos do Ruud Gulit e também do Rijkaard e por fim do Higuita e do Maradona.
A primeira memória foi parte do que me tornou inicialmente adepto do FCP, nessa altura eu pensava que marcar golo era chutar a bola para o ar, só por isso tenho que ser desculpado pelos meus camaradas benfiquistas. A outra razão era o facto de o meu pai e a minha irmã serem do Benfica, já pequeno tinha uma estranha tendência para a contradição, talvez tenha sido a o primeiro indício Freudiano de oposição ao meu pai. A minha mãe comprou-me uma réplica do equipamento do FCP e lá me passeava eu pela aldeia muito contente com a minha nova indumentária. Isto aconteceu até que um tio-avô, Benfiquista ‘ferrenho’, que tinha uma taberna-mercearia me começou a aturar, porque claro, os meus pais tinham de trabalhar e eu tinha de ficar em algum sítio, lá na mercearia havia muita gente que na altura me pareciam interessantes, também havia sugos e outras guloseimas. Claro, naquele ambiente de ninho da águia fui-me gradualmente tornando Benfiquista, não sei quantos pacotes de sugos e quantas 7-ups custou o meu ‘Portismo’, enfim, foi uma presa fácil e ainda bem.
Depois seguiu a escola primária, onde comecei a ter as primeiras noções do futebol e a jogar futebol com balizas, eram de madeira e construídas por nós, uma era literalmente maior que outra, uma em pinheiro a outra em eucalipto, uma árvore mesmo junto à marcação de canto do lado esquerdo da baliza de eucalipto, dava muito jeito para fintar, simular por um lado e ir pelo outro. Aqui defini-me claramente como ‘do’ Benfica, não havia volta a dar. Jogávamos muitos ‘Benfica-Porto’, com paixão e como se estivéssemos a defender os nossos clubes, penso que a paixão e o orgulho começaram aí, surge a competitividade e o querer ser o melhor jogador, e o que marca mais golos, infelizmente nunca foi esse jogador. Os Benfica-Sporting e os Sporting-Porto eram sempre perdidos pelo Sporting por falta de comparência, apareciam só um ou dois jogadores.
Não queria escrever este texto para exaltar o futebol ou o meu clube mas como uma reflexão de como algo com tão pouca importância consegue influenciar tanto os nossos humores. Isto porque enquanto adolescente e o mau período do Benfica sofri bastante com o gozo de colegas e amigos de outros clubes, isso entristecia-me. Com o passar do tempo lá aprendi a gerir isso e atualmente encaro o futebol de uma forma mais relaxada. Vou ao estádio umas três ou quatro vezes por ano não mais, gosto daquele sentimento de alienação massiva e de comunhão daqueles noventa minutos, nada mais me preocupa a não ser o Benfica marcar golos e não sofrer, o resto não interessa, em alguns intervalos de lucidez que ocorrem por distração em algo que se passa no estádio mas que não no relvado lembro-me que estou num equivalência contemporânea das arenas romanas apinhadas de gente a gritar pelo derrube da ‘besta’. No fim, depois dos 90 minutos volta tudo ao normal e afinal o ‘resto’ é o que interessa.
Ultimamente fiz um esforço para me desligar um pouco mais, mas percebo que há um limite, tenho sempre aquela curiosidade de saber do resultado, de quem joga de como joga e se joga bem. O futebol entranha-se em nós como um ‘vírus’, a necessidade humana de pertencer a algo facilita a instalação do ‘vírus’ que muitas vezes arrasa por momentos com a nossa racionalidade. Isto acontece com outras necessidades de ‘pertencer a algo’, mas o futebol na sociedade atual vai além de tudo o resto e por mais que tente perceber o porquê não o entendo. Vou-o aceitando e tentando-o adormecer. 

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