quarta-feira, 8 de abril de 2015

Texto

As pessoas, a realidade, os limites e a mudança.


Há momentos em que por qualquer combinação de fatores que não percebo, dou por mim a pensar na minha vida, como ela é, porque é assim e porque não é diferente. Será que não é diferente apenas porque eu não quero? Controlo mesmo lucidamente e de plena capacidade todas as variáveis que influenciam o que sou?
Começando pela herança genética ou a “programação genética”, é primeira camada do que somos: o “hardware”. É algo que está fora do nosso controlo, herdamos das famílias dos nossos pais biológicos, com todas as virtudes e defeitos que os genes carregam, são os primeiros fatores de limitação. Podemos minorar os limites que eles nos impõem conhecendo o histórico familiar, mas daquilo que percebo da matéria não é muito, dificilmente conseguimos contrariar. Sobre genética sei pouco ou até nada sei, e assim sobre a composição genética quero apenas destacar o fator involuntário da mesma, não a escolhemos, é uma consequência com a qual temos de viver.
Outra dimensão importante da nossa construção é a educação. Até sair da adolescência a nossa educação é ministrada pelas pessoas que nos rodeiam, normalmente, e de uma forma restrita a família. A família acaba por nos formar à imagem da mesma, com o mesmo código, para que a representemos na sociedade com os valores, crenças, moral, e outras dimensões educacionais. Esta ação educativa influência muito aquilo que nós vamos ser e podemos ser, surgem aqui também alguns limites à nossa possibilidade de ação futura.
O plano educacional é também idealizado olhando para resultados históricos, as famílias assim tentam incutir nas gerações seguintes os fatores de sucesso do passado e do presente, que são os momentos que conseguem observar, contudo, esses fatores podem no futuro já não ser tão relevantes ou podem até ser totalmente irrelevantes. Isto demonstra a dissonância entre valorização de certos fatores educacionais no tempo e até à impreparação para o sucesso, desadequação social face à ordem social vigente e dominante a cada época. Ainda, quando as famílias ou pais educam os descendentes projetando-se neles, criam expectativas quanto ao sucesso dos filhos, há uma programação ainda mais vincada, os filhos vão aperceber essas expectativas como objetivos a cumprir, o que caso não aconteça gera frustração. Aparece aqui a criação de ideias na mente dos outros através dos sonhos, o tema do “Inception”.  Analogamente, muito da educação que tivemos foram “inceptions” de alguém próximo e nós, a partir delas criamos as ideias que essas pessoas queriam que nós criássemos, para nosso bem, convencemo-nos que são originalmente nossas sem ter de passar pelo desconforto de ter de pensar muito no assunto.
As limitações que nos surgem da educação podem ser contrariadas por nós, mas não todas. A parte da educação que nos é ministrada quando somos um “dependente natural” legalmente definido, só nos podemos libertar da educação familiar com atos de rebeldia, e a maior parte das vezes quando acontece são atos irresponsáveis pois não são lúcidos e não por revolta contra conteúdo mas contra a forma. Só com tempo e observância dos resultados da educação passada é que surge a capacidade critica e lucidez que nos dá poder para decidir romper ou afastar-nos daquilo que nos é imposto. Contudo, quando isso acontece parte da nossa formatação educacional já está cumprida.
Tivéssemos nós a possibilidade de desconstruir aquilo que somos, eliminar todas as influências nos vinca, libertarmo-nos de toda ordem social e da sua influência sem nos tornarmos selvagens. É um exercício impossível na sua totalidade, mesmo em abstrato, o pensamento em tal ideia já tem a contaminação daquilo que eu sou e todas as influências que tive até hoje. Mas parcialmente podemos desconstruir muitos aspetos da nossa vivência que nos limitam. Lembro-me a este respeito do “American Beauty”, a evolução das personagens e a “camisa-de-forças” em que cada uma delas vive. Só uma delas acaba por sentir felicidade pois desconstruiu parte do que foi durante a vida, sem nunca o ter querido ser conscientemente. É dramático, pois a personagem que sente a felicidade é assassinada como se aquela felicidade fosse fatal e impossível na atualidade do “mundo ocidental”.
Após a desconstrução seria o momento da reconstrução, mas se a desconstrução completa é impossível a reconstrução também o é, primeiro pela impossibilidade de existir desconstrução completa e depois, em termos abstratos falha pela mesma razão da desconstrução: a contaminação do que sou atualmente. Podemos sempre mudar aspetos da nossa vida mas dentro daquilo que nós conhecemos, o que não conhecemos e que ignoramos não é fator de mudança ou de reconstrução, a reconstrução e a mudança acabam por ser alterações de rumo no conhecido e que podem levar-nos para uma vivência mais conscientemente suportável.

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