quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Poesia a granel

CAFÉ DO HORTELÃO II

É quase um regresso. A salamandra
está no mesmo sítio, a cadela
ainda não morreu. Mas espera-me
um sorriso de viúva que em vão
procura ser igual. Não vou ter de acordar
ninguém para me servir um brandy,
uma cerveja, o vinho que arrefece
no esquife de alumínio ao lado do balcão.

O café, pequena taberna, já só abre
à tarde, por algumas horas, obedecendo
mal, como pode, à tirania do hábito.
Pergunto-me o que farão agora
os meus silenciosos amigos,
a breve confraria de álcool
que apostava comigo na infâmia.
Nunca mais vi o Pintéve, o Falcão,
desconheço onde bebem,
mas tenho a certeza que bebem.
Uma vez faltou a luz e ficámos
toda a noite em silêncio de La Tour,
encostados a um candeeiro de petróleo.

Doutra vez faltou a vida,
senhor Hortelão, a vida. Quem
pudesse pintar a ausência.



Manuel de Freitas

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