sábado, 6 de setembro de 2014

Poesia a granel

Das  «Folhas Novas»

Aqueles com fama de honrados na vila
Roubaram-me todo o bragal que ainda tinha
Botaram-me lama nas galas de um dia
E a roupa de cote puseram-ma em tiras
                Nem pedra deixaram lá onde eu vivia;
Sem lar, sem abrigo, morei nas pocilgas,
Ao léu como as lebres, dormi nas campinas;
Meus filhos… meus anjos… que tanto eu queria,
Morreram, morreram da fome que tinham!
                Fiquei desonrada, murcharam-me a vida,
Fizeram-me um leito de tojos e silvas,
E entanto as raposas de raça maldita
Tranquilas em leito de rosas dormiram.

- «Salvai-me, ó juízes!» gritei… Tontaria!
De mim ‘scarneceram, vendeu-me a justiça.
«Bom Deus, ajudai-me», gritei, gritei inda…
Tão alto que estava, o bom Deus não me ouvia.
                Então, qual a loba, doente ou ferida,
De um salto, com raiva peguei na foicinha,
Rondei devagar… Nem as ervas sentiam!
A lua escondida, a fera dormia
Com os seus companheiros na cama macia.
                Olhei-os com calma, e as mãos estendidas,
De um golpe, um só golpe!, deixei-os sem vida.
E au lado, contente, sentei-me das vítimas,
Tranquila, esperando p’la aurora do dia.
               
Então…então sim, se cumpriu a justiça:
Eu neles, e a lei, foi a mão que os ferira.

Rosalía de Castro

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