quarta-feira, 29 de abril de 2015

DEBAIXO DE GUARDA-CHUVAS PRETOS



Os sapatos de sola nova escorregavam no passeio. 
Aquele ambiente húmido amolecia o corpo, além do espírito. 
Era como se as pernas fossem de borracha, como se tivesse dois pés esquerdos.
Ah…mas a moleza que sentia...parado na esquina, os braços escorregando ao longo do corpo…a chuva não parava. 
Quando o dia acorda assim, sem motivo, de nevoeiro fechado e paredes suadas, de olhar indiferente sobre nós, o seu peso faz-nos andar dobrados sobre o estômago, de rostos congestionados pela posição. E andamos, e andamos, e andamos…e andava e andava…
Só podia esperar pela primavera e esta chegou e então ficou sem força para sair. 
Tanta luz nas ruas deixava-o com um complexo de inferioridade, que fazia com que não desse um passo sem esfregar os olhos com as mãos, para esconder a cara, fingindo ser poeira o que o incomodava.

Claro que então tropeçava com toda a gente, que lhe chamavam cego, trenguinho ou lhe perguntavam se tinha sono. 
Sempre havia a possibilidade de entrar num café e beber uma cerveja, mas também eram já poucos os cafés de que gostava. 
Cheios de estudantes que se diria que estudam todos o mesmo curso porque a conversa é toda igual. 
E de novo nas ruas tanta gente enjoava, eram trabalhadores e futebol ou estudantes e namoros ou simplesmente secretárias de meia-idade que empestavam os passeios de cara amuada. 
Podia experimentar a biblioteca mas não tinha B.I. e não se lembrava do número de cor e além de tudo, o livro que queria de certeza não estava lá.

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