domingo, 10 de maio de 2015

As minhas portas da perceção

Há dias em que a realidade que vejo e que conheço se transforma em algo diferente, mais belo mais animador e com mais alma. Esses dias normalmente são ao fim-de-semana e aos feriados, algo que se passa nos dias anteriores abre-me as portas da perceção, e de repente há mais harmonia.
Recentemente voltou a acontecer, acordei em esforço, tive medo de abrir a janela para deixar entrar a luz, o sol e temperatura prometidas para o fim-de-semana levaram-me a ser prudente quanto à quantidade de luz que estava disposto a aceitar. Após o choque inicial enfrentei a luz e ganhei coragem para enfrentar o dia, tinha de estudar mas antes disso tinha de ir recuperar algo deixado na casa do N..
Depois de todas as cerimónias que estes dias exigem, consegui sair corajosamente de casa, tinha a missão de ir a casa do N., o que implicava atravessar a Madragoa. Mal coloquei o pé na rua senti que era um dia especial, o que os meus sentidos captavam era diferente do dia-a-dia amorfo. Desci a rua de São Bento, enquanto isso tudo me parecia mais belo, tanto o sol, como a rua como a tranquilidade que ela transmitia, o caminhar das pessoas sem pressa como se não fossem a lado nenhum, a calçada brilha sem vergonha da sua irregularidade e brinda as ruas com parte da sua luz.
Ainda não é hora de almoço e na Nannarella já há fila para os gelados, olho com outra atenção para a exposição nas janelas do prédio em frente ao jardim da Assembleia da República, nos outros dias são só uns retratos cinzentos a tapar as janelas de um prédio quase devoluto, continuo, passo o Jardim das Francesinhas até chegar à Rua do Machadinho, a partir daqui e até à Rua das Trinas todo o ambiente me faz lembrar a infância na aldeia, senhoras à janela a falarem de um lado para o outro da rua, miúdos a jogar futebol, música popular que sai pelas inúmeras portas abertas e que acompanha o cheiro da comida de sábado, as pessoas tratam-se por “meu amor” e “querida”, um homem assobia uma qualquer música para uma arara enjaulada à porta do café de esquina. Sinto-me seguro, como se origem estivesse apenas a poucos metros de distância. Lisboa não é uma aldeia, é uma cidade moderna e até bastante cosmopolita, mas tem em muitos bairros os encantos de outras eras parados no tempo, esses mesmos encantos que em muitas aldeias do mundo rural português já não se encontram.
Estes dias são bons para entender o que me rodeia, este abrir das portas da perceção humaniza-me mostra-me o quanto o meio é simpático comigo, só tenho de estar atento e não percorrer as ruas sempre pelo mesmo lado. 

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